terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Pão Duro

Segunda-feira, final de uma tarde longa, nublada e abafada. Voltando para casa de carro com minha esposa, entre conversas sobre promoções na internet e xingamentos para motoristas que dirigem como se fossem donos das ruas e pessoas idiotas que, não basta o calor, ainda acendem fogueiras para queimar lixo e contribuir com o calor e fedor de queimado.
O sinal de um cruzamento fecha para nós e, de baixo da sinaleira, um senhor, baixinho, gordinho e mancando, carrega em sua mão uma pequena pilha de panos de prato oferecendo aos seus prováveis clientes que esperam, dentro do carro, o sinal verde:
- Seis, dez real! Seis, dez real!

Não preciso de panos de prato agora. Quando ele passou ao lado da minha janela completamente aberta oferecendo seu produto, eu educadamente sorri e sacudi de um lado para o outro meu dedo indicador, num símbolo universal de “Não”, e o sorriso que complementa a negativa com “Obrigado”.
Em alto e bom som ele continua gritando
- Seis, dez real! Seis, dez real! - e fala baixo como se fosse pra ele mesmo - Pão-duro. - e volta a gritar - Seis, dez real! Seis, dez real!

“Pão-duro”? Eu?
- Ô! Amigo! Eu não sou pão-duro! Entendo que o senhor está aí, trabalhando honestamente pra garantir a comida em casa. Mas por favor, não me chama de pão duro. Eu simplesmente não estou precisando de panos de prato agora lá em casa, e por isso não compro agora com o senhor. Mas pode ter certeza que, no momento em que eu precisar de panos de prato, virei aqui neste cruzamento e comprarei direto do senhor! Pode ter certeza disso.

Na verdade isso eu pensei em falar tempos depois. O que fiz na verdade foi virar para minha esposa que estava entretida no celular:
- Tu ouviu?
- O quê?
- O cara me chamou de pão-duro!

Ela ri.
- Sério?
- Sim!Não ouvi!
- Pois é! Ele veio gritando “Seis, dez real! Seis, dez real” e de repente, mais baixo, ele fala “Pão-duro” e voltou a gritar “Seis, dez real! Seis, dez real”

Ficamos rindo por um tempo sobre isso. Afinal, não é sempre que sou chamado de pão duro. Pães-duros normalmente são ricos, exatamente porque são pães-duros. Eu estou ferrado no banco e algumas contas ainda por pagar.


Normalmente eu xingo as pessoas que me cortam a frente sem fazer o sinal para entrar à minha frente, ou pessoas que colocam fogo no lixo em dias quentes, ou pessoa que me xingam de alguma coisa. Mas nesse caso não senti nada além de graça, e um pouco de tristeza. Um senhor, provavelmente mais velho que meu próprio pai, com algum problema na perna que o fazia mancar, estava ali naquele cruzamento movimentado, em um dia abafado, vendendo seus paninhos de prato, seis a dez reais.
Uma coisa que aprendi depois de me ferrar com contas atrás de contas é que nunca estaremos satisfeitos financeiramente se ficarmos sempre comprando coisas que não precisamos e, naquele momento, panos de prato eram algo que eu realmente não precisava.
Quem sabe numa próxima oportunidade, quando eu precisar de panos de prato, talvez eu compre deste senhor, ou das crianças que também vendem seis panos de prato a dez reais nos estacionamentos dos supermercados. Eu adoraria fazer mais que isso. Mas acho que só poderei em primeiro lugar, comprar os panos de prato.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A Princesa

Era metade dos anos 90 quando meu pai alugou um filme em VHS para ele assistir e eu o acompanhei. Gostei, mas eu era pequeno e não havia entendido direito. Um tempo depois, na casa da minha avó, em uma tarde, a televisão estava ligada na globo, e ali estava aquele filme que meu pai havia alugado. A lembrança daqueles homens vestindo armaduras brancas, junto de um macaco gigante, resgatando uma moça vestida toda de branco marcou o início de uma paixão que carrego no fundo do meu coração até hoje, e levarei até meu último suspiro.
É interessante ser um fã desde pequeno de Guerra nas Estrelas (na minha época era assim que se chamava), mesmo eu tendo nascido anos depois do lançamento do último filme da saga, e viver em uma época em que é moda gostar deste universo criado por George Lucas. Interessante por motivos ruins e bons. Ruins pois ainda tenho preconceito com “modas”, e desde a popularização do termo e estilo “Nerd”, Star Wars é um dos principais assuntos tratados pela geração do século XXI.
Fico um tanto irritado quando pessoas que se dizem “Nerds” falam que viram o novo Star Wars (Rogue One), que gostaram muito do filme, mas que não entenderam por que Darth Vader aparece se ele já morreu? Ou o que a Ray está fazendo ali no meio dos rebeldes se ela está treinando com “aquele velho do final do Despertar da Força”? Sim! Ouvi e li esses absurdos. Seguidamente passei por imagens na internet, gráficos e ilustrações que ensinam o novo “fã” em que período de tempo se passa o novo filme. Mas depois da irritação, vem a tranquilidade, pois se não fosse esse fã, que compra ingressos no cinema, que compra “bonequinhos”, brinquedos e tantos outros produtos relacionados à saga, não haveria mais saga! Ela terminaria no episódio III, a treze anos atrás, e jamais teríamos esse bombardeio de conteúdo, objetos e informação sobre esse universo que tanto amamos. Aos novos fãs de Star Wars: Obrigado! Mas procurem se informar antes de falarem ou escreverem besteiras.


[Abaixo contém Spoiler]







Sobre Rogue One. Finalmente assisti ao filme, mas infelizmente em um momento trágico. Um dia depois da morte de Carrie Fisher, nossa eterna Princesa Leia Organa, que descansa com a eterna força que lhes enviamos.
Assistindo o filme, me deliciei com as referências colocadas lá para os verdadeiros fãs de Star Wars. Certamente me fugiram alguns pois não consegui acompanhar as séries animadas The Clone Wars e Rebels, mas fico feliz por elas estarem lá e costurarem as diversas histórias que são narradas neste vasto universo. Por pouco mais de duas horas, voltei a ser aquele menino de seis, sete anos, que assistiu pela primeira vez na vida Uma Nova Esperança e, como uma criança, chorou emocionado no desfecho do novo filme que se conecta direto ao longa de 1977. Não um choro de emoção por estar assistindo um filme da sua saga preferida, mas sim pelo difícil momento que muitos fãs passaram nos últimos dois dias.
A sequência final, onde os soldados rebeldes carregam as informações da Estrela da Morte, fugindo do maior e mais querido vilão de toda a história do cinema, foi me acelerando o coração enquanto meu cérebro se dividia entre apreciar a linda cena que se desenrolava diante de meus olhos e imaginar o que viria à seguir. E veio. Ela, nossa eterna Princesa, aparece, carregando a força e a esperança que será (e foi) desenvolvida na trilogia clássica.
Foi difícil conter as lágrimas, sabendo que pouco mais de 24 horas atrás, a atriz que nos trouxe essa personagem, nos deixou. E será difícil assistir seu último adeus no próximo filme a estrear em dezembro de 2017.
Terei um ano para me preparar para o choque de vê-la, sabendo que ela não está mais entre nós. E mesmo que eu esteja certo que conseguirei conter minhas lágrimas, levarei uma caixa de lenços caso eu falhe miseravelmente.

À nossa eterna Princesa Leia, muito obrigado e que a Força esteja com você!



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O Soltador de Rojões

- Bom dia Carlos!
- Bom dia.

Carlos sentou-se na cadeira para a entrevista de emprego. Seu entrevistador, diante dele, segurava seu currículo e fazia anotações.

Vi o seu currículo e achei bastante interessante. Muitas coisas para serem aproveitadas aqui na empresa.
Muito obrigado!
Quero saber um pouco mais de ti. É formado em administração com uma pós em economia né?
Exatamente. Fiz alguns cursos curtos também durante a faculdade.

O entrevistador fez algumas notas no currículo de Carlos.

Ótimo! Várias experiências. Vejo que fala inglês.
Fluente. Leitura, escrita e conversação.
Oh yes. Did your speak is good?
I think so.

Mais algumas notas foram feitas. Provavelmente coisas boas.

Tem conhecimentos de informática também né. Pode falar sobre isso?
Claro! Fiz curso de Office e tenho muita experiência com tabelas em Excel. Cálculos, fórmulas, gráficos.
Muito bom! Trabalhamos aqui um pouco com redes sociais também. Está familiarizado com elas?
Sou sim. Facebook, Twitter, Instagram, e algumas outras, mas principalmente essas.
Ótimo!

O Entrevistador era uma máquina de fazer anotações. O currículo de carlos estava cheio das letras e rabiscos azuis.

E rojões? Você solta?
Hã? Heim?
Rojões. Fogos de artifício. Solta?
Ah… Sim… Solto… De vez em quando.
Ahmm.

O Entrevistador baixou o currículo de Carlos sobre a mesa e olhou seriamente para seu entrevistado.

E com que frequência?
Ah... Bom… Natal, ano novo…
Gosta de futebol?
Sim… Gosto.
Tu torce para o Itambaguaiense?
Ahmm… Sim.
Viu o jogo ontem à noite?
Vi.

As axilas de Carlos já estavam inundadas e torcia para que o Entrevistador não visse as rodelas. O por enquanto ainda ajudava a esconder. Mas que porcarias de perguntas são essas?

Parabéns! O teu time ganhou. Sabe, eu também sou Itambaguaiense.
Que legal.

O susto foi diminuindo. Que história era aquela de rojões? O Entrevistador já estava sorridente.

Soltou rojões ontem?
Ahm… Sim.

E lá se foi o sorriso.

Hum. Quantos?
Um! Um só.
Um ainda assim é bastante barulhento.
Um pouco. Mas o meu não era tanto assim.
Mesmo assim ele explodiu né?
Sim.
Bom. Eu não soltei rojões.

O Entrevistador largou a caneta azul, abriu uma gaveta de sua escrivaninha e de lá puxou uma caneta vermelha. Agora os rabiscos vermelhos no currículo tomavam conta.

Ah… O que o senhor está escrevendo?
Só umas anotações. Algumas coisinhas pra eu lembrar ou destacar.
Mas está escrevendo “Solta rojões” com a caneta vermelha e riscando o que escreveu com canetas azuis.
Como eu disse, só pra lembrar ou destacar. Já roubou algum material de escritório?
Heim? Como?
Perguntei se já roubou algum material de escritório.
Não! Nunca!
Já forjou doença e falsificou atestados para faltar ao trabalho?
O quê? Não!
Já assediou moralmente ou sexualmente alguma colega de trabalho?
Heim? Não! Jamais! Que perguntas são essas?
Muito obrigado Carlos! Já anotei o que precisava.
Posso saber o por que dessas perguntas?
Só pra ver se atenuava a gravidade de ser um soltador de rojões.
Ah! Espero que tenha atenuado bastante!
Na verdade não. Prefiro ter um ladrão assediador que mata trabalho do que um soltador de rojões. Mas como tu soltou só um ontem, um que não faz muito barulho, vamos analisar seu currículo e logo entraremos em contato.

O Entrevistador levantou-se e estendeu a mão, ao que Carlos o acompanhou e cumprimentou enquanto era direcionado à porta do escritório.

Tem uma previsão de quando irão me ligar?
Em breve.
Alguma data? Horário?
Nós ligaremos.
Se não ligarem, posso ligar para confirmar?
Pode tentar. Passar bem.

A porta fechou na cara de Carlos.
- O Entrevistador voltou à sua cadeira, sentou-se, pegou o currículo de Carlos e depositou-o, com o máximo de cuidado e delicadeza, no fragmentador de papel.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Horror, Terror e Suspense

O cinema de horror, tão fortemente disseminado pelos cinemas com forte apelo comercial, tem sofrido uma metamorfose constante a cada ano que passa e a cada filme que é lançado. Antigamente, os filmes de horror, em sua grande maioria, apresentavam histórias com assassinos, monstros e outras ameaças que iam de encontro aos personagens principais, mas em praticamente todas as obras os mocinhos sobreviviam, escapando do vilão depois de passar por inúmeros obstáculos e perder as pessoas queridas e amadas em mortes violentas.Desde esta época, pouquíssimos filmes apresentavam o mocinho/mocinha perdendo o “duelo” para o vilão, e com a evolução da receptividade do público, mais e mais filmes passaram a dar um fim em todos os personagens principais, deixando o vilão vencer no final.
O fato de os mocinhos perderem e morrerem ao final dos filmes, mostra que o cinema de horror vem mutando e apresentando novas abordagens para assustar o público. Mas muitas pessoas ainda tem dúvidas se o filme que elas irão assistir é Horror, Terror ou Suspense, que mesmo parecendo iguais, possuem diferenças entre si. Podemos dizer que tal filme é de Horror, Terror ou Suspense, mas na verdade ele pode ser dois ou até os três juntos, mesmo cada um ter uma característica diferente.

Horror
Tanto Horror como o suspense, surgiram da literatura, mas o primeiro romance classificado como horror é O Castelo de Otranto, de Horace Walpole, escrito em 1764, que narra os acontecimentos passados em um castelo, envolvendo sons fantasmagóricos, armaduras medievais e quadros que observam as pessoas. A partir daí, inúmeros outros contos e romances foram escritos. Alguns dos principais autores de literatura de horror são Edgar Alan Poe, H. P. Lovecraft, Arthur Machen e outros da mesma época. Com esta influência literária, o cinema acabou aproveitando-se destas narrativas tão envolventes e assustadoras para adaptá-las ao cinema.
Mas afinal, o que é o Horror?
Horror é uma sensação de repulsa, nojo ou espanto, causado por algo medonho, hediondo. Quando se vê uma cena forte de estupro, tortura, esquartejamento, que envolvam tanto humanos quanto monstros. É aquela vontade que temos de virar o rosto ou tapar os olhos para não ver a imagem nojenta.

Terror
Podemos entender que Terror está dentro do termo geral Horror, mas é um pouco diferente. O Terror é o susto que levamos com situações propícias, geralmente acontecendo no clímax de um momento de suspense. Apresentam cenas e planos rápidos que nos causam aquele susto repentino, como um grito, a cara de um monstro ou um trem passando e apitando logo depois de uma cena silenciosa com um tom de suspense, como o personagem abrindo a porta do armário para ver o que há ali dentro.

Suspense
Suspense é o clima em que os filmes de horror e suspense são inseridos. Um filme de horror ou terror sempre tem suspense, mas não necessariamente um filme de suspense possui terror ou horror.

No suspense, somos apresentados a uma situação em que nos colocamos no lugar do personagem e sentimos seu desconforto. Alguns podem pensar “Mas se tem suspense, certamente tem horror ou terror, porque o vilão está à espreita”. O fato de o vilão estar à espreita não quer dizer que haverá o horror ou terror. Alfred Hitchcock é reconhecido como o mestre do suspense e nunca fez um filme de horror (Psicose e Pássaros podem ser o mais próximo de Horror). Em Festim Diabólico, de 1948, Hitchcock nos apresenta a dois jovens que matam um amigo, colocam seu corpo dentro de um baú na sala de estar e convidam seu professor, a namorada e a família do jovem assassinado para jantar em uma mesa improvisada, montada em cima do baú. Temos aí a apreensão, o suspense de sabermos que o corpo do rapaz está ali dentro e de os convidados da festa não saberem o que está acontecendo e inúmeras vezes quase descobrem o corpo, deixando-nos loucos e nos fazendo gritar para os convidados “ELE ESTÁ AÍ DENTRO! É SÓ ABRIR O BAÚ!”.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O Vizinho da Casa da Frente

Eu me mudei para cá a dez anos e desde aquela época a casa em frente está abandonada. A pintura descascada, telhas caídas, gramado alto, vidros quebrados e paredes rachadas com infiltrações mostram que ela realmente está abandonada há muito tempo. Meus vizinhos diziam que ela é assombrada, contando histórias sobre a jovem de vinte anos que foi assassinada pelo padrasto e teve o corpo enterrado no quintal. Perdi a conta de quantas versões desse caso eu ouvi, mas jamais achei algo sobre o assunto. Não que eu tenha me esforçado para procurar. Se houve um assassinato, isso já foi a muito tempo e não é problema meu. O que acho estranho é o novo vizinho.

Conversei com ele algumas poucas vezes e me pareceu um rapaz simpático. O jovem, que deve ter seus vinte e poucos anos - não perguntei sua idade para não parecer indelicado, mas é bem jovem para estar morando sozinho - contou-me que comprou a casa porque é próximo à faculdade que estuda - a estadual, cinco quilômetros daqui - e que estava com o preço muito abaixo do mercado, e ele usou suas economias para adquiri-la. No dia que ele me contou isso, fiz uma piada dizendo que o preço da casa era baixo provavelmente por ela ser assombrada. Eu ri quando falei, mas notei que ele ficou sério por uns instantes e quando notei que a piada parecia não ter sido tão engraçada, parei de rir. Ele, no entanto, abriu um leve sorriso, disse que demorou para entender a piada e que estava atrasado para a aula, se despedindo de mim e saindo correndo para pegar o ônibus que estava dobrando a esquina.

Ao menos uma ou duas vezes por semana eu vejo o rapaz sair de casa cedo da manhã vestindo um terno e gravata bem simples e uma pasta debaixo do braço. Depois descobri que ele estava à procura de emprego para custear as reformas e contas da casa, além de construir uma piscina no quintal, que de acordo com ele é seu sonho desde criança.

O rapaz parece ser bastante responsável pois nos dias de folga, quando aparentemente não está estudando ou com visitas, está arrumando alguma coisa da casa, seja cortando a grama, consertando a cerca, raspando a tinta da parede e preparando para uma futura pintura, sem contar o que pode estar reformando por dentro pois às vezes ouvimos barulhos de marteladas ou coisas abrindo, fechando ou caindo. Certamente a casa necessita de uma boa reforma.

Ele parece não ter muita sorte com as mulheres. Às vezes, quando alguma garota o visita, é uma única vez e depois nunca mais as vemos. Certa vez, enquanto eu regava meu gramado e o vi pintando a cerca, conversamos sobre isso, de senhor para jovem, de amigo para amigo. Ele disse que as garotas ficam decepcionadas com a casa. Eu respondi que é decepcionante as garotas que o julgam pela estado em que a casa se encontra e que se soubessem o quão responsável e trabalhador ele é, seriam felizes ao lado dele. Isso é verdade!

O que acho bom para ele é que sua irmã o visita constantemente. Nunca a vi chegar ou sair, mas às vezes os vejo conversando em frente à janela ou de relance no pátio atrás de sua casa. Achei estranho ele se surpreender por eu ter visto a garota e lhe perguntado quem era ela. Ele me explicou então que era sua irmã e que o visita constantemente para ajudá-lo nas reformas e nos estudos.


Recentemente ele conseguiu um emprego em uma cafeteria próxima à faculdade. Acredito que em pouco tempo ele já poderá concluir a reforma em sua casa e começar a construir a sua piscina. Só acho errado da parte dele em construir a piscina antes das reformas da casa. Tudo bem que o verão está chegando, mas ele deve rever suas prioridades. Talvez eu o ajude com alguma reforma dentro de casa. Nunca o visitei, mas sempre há uma primeira vez. E posso apresentar a irmã dele para minha filha, que devem parelhar a idade dos vinte anos.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Pipoca do João

Na carrocinha estava escrito "Pipoca do João", mas o verdadeiro nome do pipoqueiro era Carlos. Disso, talvez ninguém soubesse e provavelmente ninguém se importava.

"Quanto é a pipoca?" - perguntou uma senhora soltando a mão da filha pequena que havia pedido que ela comprasse. A indiferença da mulher pelo pipoqueiro ou pela pipoca era tão grande que, mesmo com um cartaz afixado na lateral da carrocinha com os três valores de três, cinco e oito reais pelos respectivos tamanhos dos pacotes, ela ainda assim perguntou, enquanto usava a mão recém liberta da mão da pequena menina para pegar o dinheiro dentro de sua carteira.

"A pequena é três, a média é cinco e a grande é oito reais, senhora" - respondeu Carlos, cordialmente.
"Mãe! Tô com sede!"
"E quanto é o refri?"
O cartaz também estava escrito "3 reais a água e 4 reais o refrigerante"
"Quatro reais, senhora"
"Que sabor tu quer?"
"Doce"
"Uma grande doce e uma Coca"
"Pois não, senhora"

E agilmente, Carlos serve a pipoca doce no pacote grande, pega a garrafinha de Coca dentro do isopor, imersa em água gelada, dividindo espaço com pedras de gelo parcialmente derretidas, outras grarrafas e latas de refrigerante e água. Ele entrega sua mercadoria nas mãos da freguesa.

"Quanto é tudo?"

Um breve pensamento de milésimos de segundo que, enquanto passavam pela cabeça de Carlos por um período longuíssimo, mostrava que ele conseguia conter muito bem sua impaciência e externava somente cordialidade aos seus fregueses, dizia que aquela mulher era uma estúpida, preguiçosa e extremamente relapsa quanto aos cuidados da filha. Ele viu a menina chorando enquanto caminhavam em sua direção. Não até ele, mas para passar pela sua frente. Entre lágrimas saindo dos olhos e ranho saindo do nariz e ameaçando entrar em sua boca, a menina, bem arrumada com um lindo vestido vermelho de bolinhas brancas, puxava a mão de sua mãe, que logo recebia uma resposta com um puxão mais forte, capaz de erguê-la e derrubá-la no chão, além de gritos contidos de sua progenitora como "Fica quieta!" ou "Para de chorar!". O choro só diminuiu quando a menina viu a carrocinha de pipocas e despertou seu apetite por guloseimas. Sabendo que, naquele momento, a única coisa que faria a pobre criança parar de chorar, era comprar seu silêncio com tal iguaria das ruas do centro da cidade, não se importou nem um pouco em lhe dar o lanche, desde que ela ficasse quieta. Sem tentar acalmar a menina para que parasse de chorar e não precisar lhe comprar com agrados alimentícios, sua estupidez foi também dirigida para qualquer um à sua volta que fosse envolvida em sua vida neste breve momento, que nesse caso era Carlos. Sem ao menos olhar para o rosto de Carlos ou, muito menos, para os cartazes com letras e números garrafais descrevendo os valores de seus produtos, a mãe manteve-se de cara fechada, olhando para dentro da carteira e pegando as pequenas notas trocadas para pagar o pipoqueiro pela pipoca de oito reais e a coca de quatro.

"Doze" - respondeu Carlos, no exato instante em que a mulher lhe dirigiu a pergunta sem ao menos erguer os olhos e olhar para seu atendente.

Ela pegou uma nota de dez, uma de dois e entregou a Carlos, enquanto pegou o pacote grande de pipoca doce e a pequena garrafa de Coca.

"Não vai me sujar esse vestido, senão tu vai ver quando a gente chegar em casa! E não vira esse refri! Esse vestido é novo e tu não pode sujar… - a mulher começou a falar enquanto entregava o pacote e a garrafinha aberta para a filha e saiam caminhando, seguindo seu destino, enquanto o pipoqueiro perdia sua voz na distância.

Carlos estava acostumado a esse tipo de tratamento e sabia que não adiantava ser rude. Ele talvez nunca mais veria aquela mulher menina novamente. Não se importava se iria sujar a roupa com o melado da pipoca ou com o refrigerante gelado. Ele só precisava vender.

"Oi moço! Uma pipoca doce grande por favor?"

Carlos olhou para frente e viu um homem sorridente olhando para baixo e aos poucos erguendo o olhar para si. A voz que carlos ouviu era de uma menina pequena. Olhou para baixo, acompanhando o primeiro olhar do homem à sua frente. Uma menininha, de idade semelhante àquela que a pouco passara ali, estava em pé e sorridente à sua frente, com uma nota de dez reais apertada em sua mão fechada.

"Pois não, senhorita!" - respondeu Carlos, sorridente.
Agilmente, Carlos serviu o pacote de pipoca desejado pela sua jovem cliente.
"Aqui está."
Carlos entregou o pacote, enquanto a menina ergueu sua mão com a nota.
"Muito obrigado!" - disse Carlos, pegando o dinheiro.
Ele procurou entre seus trocados, uma nota de dois reais e entregou para a menina.
"Aqui seu troco."
"Muito obrigado, moço! Boa tarde"
"Boa tarde, senhorita! Bom apetite!"
"Boa tarde, e obrigado" - respondeu o homem, que devia ser o pai da criança, que saiu caminhando ao lado dela, seguindo seu destino.

E por um outro breve pensamento que passou na cabeça de Carlos, ele se sentiu feliz por ainda existirem pessoas educadas neste mundo.



Uma homenagem ao pipoqueiro que vejo quase todos os dias na parada do ônibus que pego para voltar para casa.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

inTolerância

Vivemos em um país que foi construído pelo trabalho de escravos negros e imigrantes. Um país moldado à base da cultura dos indígenas que aqui viviam antes da colonização e aos poucos suprimida pela miscigenação cultural dos povos que vieram a trabalho, seja forçado ou na busca de um novo começo.

Os escravos, mão de obra barata adquirida por traficantes vindos da África com seus navios abarrotados de valiosíssima mercadoria, traziam consigo não só a força para o trabalho, mas a cultura antiga e rica, de seus antepassados africanos. Comidas, bebidas, esportes, danças, religião, cargas culturais que ainda hoje aderimos e apreciamos em nosso cotidiano. Depois vieram os imigrantes, italianos, portugueses, alemães, franceses, holandeses, que trouxeram para o Novo Mundo as suas culturas e crenças. Doces e salgados, esportes e danças, religiões e mitologia, uma bagagem cultural de valor histórico e intelectual inestimável.

O brasileiro, em si, é um povo sem uma cultura própria, ou com uma cultura resultante da mistura de todas as outras que aqui se assentaram. Não vemos por aí pessoas na rua conversando em Tupi Guarani ou Ocas/Templos de adoração a Tupã. O que vemos são igrejas católicas, templos evangélicos, sinagogas, mesquitas, terreiros e outros locais de veneração às diversas religiões. Se o brasileiro é um povo de muitas culturas, a menos seguida é a original de nossa terra.

Eu fui batizado e catequizado em uma igreja católica. Nesta época eu não fazia a mínima ideia de que existiam muitas outras religiões. Fiquei impressionado ao descobrir a quantidade - e a cada oportunidade que tenho, descubro uma nova - que existia. Desde então, com o decorrer do meu crescimento e ampliação de meu convívio social, conheci pessoas evangélicas, espíritas, judias, budistas, umbandas, inclusive espíritas que frequentam terreiros, judeus que visitam templos budistas, católicos que visitam igrejas universais, ou até uma maior intervisitação religiosa. Como é possível alguém de uma religião monoteísta frequentar o local de culto de uma religião politeísta? E ao contrário?

Religião não se resume a acreditar em Deus, Buda, Alá, Maomé, Krishna, Zeus, Odin, Tupã, Tiki ou outros. Religião é a forma encontrada para contar histórias antigas de seu povo e uní-las de modo a apontarem para uma única unidade de Deus ou panteão de Deuses, e as bases de todas as religiões são pregar a paz e a prática do bem. Infelizmente alguns líderes colocaram um adendo nessa regra descrita como “nem que seja à força!”, e isso podemos ver nos mais de cinco mil anos de história documentada da humanidade.

Guerras, lutas e massacres em nome de deuses que ordenam seus seguidores a levarem sua palavra aos outros povos, de outras culturas, crenças e divindades. A história da humanidade é escrita com tinta à base de sangue daqueles que não acreditaram e não quiseram seguir as crenças de seus conquistadores. Povos foram levados à extinção por não aceitarem que o deus do vizinho era o verdadeiro e não o seu. Onde está a “paz e a prática do bem”?

Nos dias atuais, vemos um rigoroso cuidado com as diferenças, sejam elas raciais, religiosas, sexuais, políticas ou sociais. Enquanto umas pessoas pensam amo menos dez vezes antes de falar algo que possa ser entendido como discriminatório, outras falam sem pensar e passam metade da vida pagando advogados para defendê-las de processos movidos por aqueles que acharam seus comentários ofensivos. Uma vista grossa feita por aqueles que estão prontos para apontar seus dedos para os outros e afirmar que eles estão sendo preconceituosos com sua cor/religião/sexualidade.

Hoje ainda há discriminação contra negros que, como vemos na televisão, muitos ainda são agredidos, presos injustamente, que não tem a oportunidade de uma promoção no trabalho ou sequer tem um emprego. Há a discriminação contra homossexuais, com homens e mulheres agredidos até a morte das piores formas possíveis e inimagináveis. Há também a discriminação religiosa onde… bem… hã… bom… Existe, de uma maneira ou de outra. Mas é discriminada por quem? Negros são discriminados por brancos. Homossexuais são discriminados por heterosexuais. Esquerdistas são discriminados por direitistas. Mas e os umbandas? São discriminados por católicos? Que são discriminados por evangélicos? Que são discriminados por islâmicos? É o religioso discriminando o religioso? É isso mesmo que vemos? Assim como o político corrupto falando mal de outro político corrupto, ou o sujo falando do mal lavado.

Num país cuja diversidade é o seu molde da estrutura social e política ao qual ele se baseou, é no mínimo imbecil a prática de atos ou até o pensamento preconceituoso contra aqueles que são diferentes ou tem opinião e crenças diferentes entre si. O fato de alguém afirmar e empurrar goela abaixo dos outros a sua crença, não o torna o “Senhor Dono da Verdade”, mas sim um ser patético de intelecto curto que tem preguiça de conversar e trocar conhecimentos com outras pessoas tão ou mais inteligentes quanto ele. Respeitar não é discriminar em pensamento e calar-se. O respeito é o sentimento que temos em admirar as qualidades do próximo, apontar-lhe em crítica construtiva seus erros, aceitar as críticas construtivas do outro e lhe desejar o bem acima de tudo.

Mas como vivemos em um país onde nossos líderes não respeitam o povo e as diversidades (velada sob discursos homofóbicos, machistas, anticulturais e educacionais), só o que nos resta é permanecermos calados, para não sermos processados pelo que escolhermos falar e corrermos o risco de sermos mal entendidos. É muito fácil falar mal da religião dos outros e depois dizer que está sendo discriminados por intolerantes à sua crença religiosa. Que tal manter-se calado aos seus discursos preconceituosos? Eu por exemplo, prefiro me retirar ao silêncio quanto minhas opiniões sobre as diversidades, que por melhores que sejam, sempre haverá alguém que entenderá errado minhas ideias e se aproveitará da oportunidade de retirar até meu último centavo e acabar com minha credibilidade e imagem (mesmo todas elas sendo muito baixas no momento em que escrevo isso). Prefiro voltar-me ao meu Tiki, pois sei que quando morrer ao menos não estarei junto de Hitler, Stalin, Pinochet ou Bush, pois eles escolheram o Deus errado (pior ainda para Stalin que não acreditava em deus nenhum).